domingo, 5 de abril de 2020

DE CLIENTE A TERRORISTA EM UM ESPIRRO

Hoje precisei quebrar o isolamento social pela primeira vez em 15 dias, fui a um mercadinho-fruteira que fica na esquina de casa. No caminho, enquanto aguardava o intenso fluxo de carros passar, lembrei que havia esquecido meu lenço-máscara para cobrir o rosto. Relevei o caso e pensei: "basta manter distância das pessoas e torcer para que ninguém espirre."

O mercadinho-fruteira é pequeno, comércio familiar local, é o melhor lugar da cidade para comprar frutas, verduras e legumes, mas vende também suprimentos básicos. Quando entrei, encontrei cinco funcionários e mais cinco clientes, número razoável e seguro para o tamanho do ambiente.

Reparei que um funcionário varria o chão, o que me pareceu ser um bom sinal. Parei para escolher batatas e logo uma senhora, literalmente, colou em mim. Eu olhei para ela como quem diz: "a senhora vai ficar mesmo colada em mim?"...

A senhora despertou para a vida e se descolou, seguiu suas compras. Fomos nos encontrar novamente lá na seção dos abacates, no fundo do mercadinho. Eu aguardava, à distância, o senhor que calmamente apertava a todos os abacates, para em seguida poder escolher o meu. Nisso, a mesma senhora se aproximou novamente, sem a menor noção da nova etiqueta social e do perigo que ambos corremos.

Olhei para ela com vontade de esterilizar ou exterminar a pessoa com os olhos, o que a fez relembrar que não estamos em tempos de aproximação social. Pus-me a refletir: "mas será que essa gente não está ligada no que está acontecendo? Em que mundo vivem???"...

Peguei meu abacate e dei dois passos à frente. O rapaz que varria o mercadinho estava vindo em nossa direção e sua atividade estava levantando poeira; foi inevitável. Em uma fração de segundos veio uma vontade irrepreensível de espirrar, passou um filme na minha cabeça, mas o máximo que consegui foi espirrar para o lado com a proteção do cotovelo: AAAAaaaaattttccchiiiinnnnnn!!!!!!

Fez-se um silêncio sepulcral...

A eternidade do momento é indescritível. Quando eu levantei a cabeça estavam todos estáticos, me observando catatônicos e com olhos esbugalhados. Em questão de segundos eu me transformei de um simples cliente a terrorista altamente perigoso.

Em minha defesa, só consegui balbuciar: "Rinite! Gente, é rinite! Por causa da poeira"... mais aliviadas, as pessoas voltaram a se mexer e fazer suas compras. O rapaz com a vassoura olhou para um outro funcionário e resolveu parar, pelo menos enquanto eu estava por ali.

O calvário dos abacates até o caixa foi terrível. Até que eu conseguisse pagar e sair do mercadinho eu não consegui ficar imune aos olhares suspeitos de todos. No caminho de volta para casa não parei de pensar: "e se fosse outra pessoa que tivesse espirrado, como eu ia me comportar?"

Honestamente não sei; mas, provavelmente, iria entrar em estado de atenção redobrada, voltaria para casa para buscar meu lenço-máscara, vestiria uma roupa de astronauta com cilindro de oxigênio e iria pensar muito se voltaria para fazer as compras.

Que tempo estranho esse que vivenciamos, onde um espirro na fronteira oeste do Rio Grande do Sul pode causar o caos lá no oriente ou vice-versa. Melhor ficar em casa o máximo possível e se precisar muito sair, use máscara, luvas e evite espirrar em público. Foi o que aprendi na minha primeira desventura fora de casa nessa quarentena.

Autor: Marco Bonito - Profº/Dr em Comunicação Social com ênfase em Processos Midiáticos - Unipampa e Unisinos -, também torcedor da S.E. Palmeiras.

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